Número Vira Nome: Gabrielle é a 36ª Vítima de Feminicídio em MS, e Estatística Expõe Falência do Sistema

Crime brutal em Sonora(MS), onde marido confessou à sogra após assassinato, é o capítulo mais recente de uma epidemia de violência de gênero que transforma vidas em números e revela a urgência de ações além dos discursos.

Ela não era apenas a 36ª. Era Gabrielle. Gabrielle Oliveira dos Santos, 25 anos. Uma mulher com nome, história e um futuro interrompido, nas mãos de quem jurou amá-la. O cenário da tragédia foi em uma chácara no município de Sonora(MS), onde o amor deveria florescer, mas onde o ciúme, motivo arcaico e fatal, germinou em mais um feminicídio que mancha o Mato Grosso do Sul.

Na tarde de segunda-feira (17), o silêncio do campo foi quebrado não pelo barulho da natureza, mas por um telefonema que carregava a frieza da morte. O autor do crime, o próprio marido de Gabrielle, não fugiu. Em um ato de covardia que se disfarça de cinismo, ele pegou o celular e discou para a sogra. A mensagem era um recado direto do inferno: “Acabei de matar sua filha, vai lá ver”. Apenas 24 horas depois, a entrega espontânea à Polícia Civil selou um caso que, para as estatísticas, está “resolvido”. Para a família de Gabrielle, uma vida inteira de luto começa.

A crueldade do gesto – o telefonema – não é um detalhe, é a assinatura da posse. É a demonstração última de um controle que não termina nem com a vida da vítima. É a violência doméstica em sua forma mais extrema e simbólica, um ato que visa aniquilar não apenas uma pessoa, mas toda a rede que a cerca.

O que o caso de Gabrielle revela, para além da brutalidade individual, é a falência coletiva em conter uma epidemia. Ser a 36ª vítima em um único ano não é um marco aleatório; é a prova concreta de um sistema que, frequentemente, falha em proteger as mulheres antes que o pior aconteça. A Lei Maria da Penha é uma ferramenta poderosa, mas esbarra na cultura do ciúme como “prova de amor”, na morosidade judicial, na falta de recursos e, por vezes, na descrença institucional.

Cada feminicídio é a ponta final de um iceberg de violências silenciosas: o xingamento, a humilhação, o controle sobre as amizades, o isolamento da família, a ameaça velada. Gabrielle, muito provavelmente, viveu sob essa sombra antes de ser tragicamente consumida por ela.

A orientação para que as mulheres “não se calem” e “procurem as autoridades” é, sem dúvida, necessária. Mas é insuficiente. É um peso que continua sendo colocado majoritariamente sobre os ombros das vítimas. A pergunta que fica, diante do corpo da 36ª mulher, é: E quando ela fala, a sociedade e o Estado ouvem? Eles agem com a velocidade e a eficácia que a vida dela exige?

A morte de Gabrielle dos Santos é mais do que um crime passional. É um crime político. É a expressão máxima de uma sociedade que ainda não conseguiu erradicar o veneno do machismo e da posse sobre o corpo e a vida das mulheres. Enquanto o ciúme for aceito como justificativa e os números forem tratados como meras estatísticas, haverá uma 37ª, uma 38ª, uma 39ª vítima.

O nome da 36ª era Gabrielle. Que sua morte não seja apenas mais uma manchete, mas um grito de alerta que ecoe muito mais alto do que o silêncio que a precedeu.

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