A dignidade, em Pedro Gomes, chegou em forma de almoço beneficente, seu resultado trouxe consigo mais do que alimento para o corpo; trouxeram um conforto há muito adiado para a alma e para o sono de trinta idosos. O resultado desse evento de solidariedade se materializou em 30 colchões com capa impermeável, 30 lençóis e 30 toalhas de banho. Para muitos, itens básicos. Para os residentes do Asilo São João Batista, um tesouro.
A cena é repetida em pequenos municípios Brasil afora: a estrutura que abriga aqueles que a sociedade parece ter pressa em esquecer sobrevive de migalhas – tanto literais quanto figurativas. O São João Batista, como a maioria de suas congêneres, não é uma exceção. Ele se sustenta com “pequenas doações e a renda de seus moradores”, um eufemismo para a aposentadoria mingua daqueles que já deram tudo de si.
Por trás de cada colchão doado há uma noite de sono mais tranquila, longe do desconforto de espumas velhas e do constrangimento de lençóis velhos. Há a preservação de uma dignidade íntima. São itens de suma importância, como bem definiu a administração do local, não por seu valor monetário, mas por seu valor humano.
O administrador do asilo, conhecido por todos como “Tonhão” estendeu seus agradecimentos ao departamento feminino da Loja Paz e União e a todos os membros da Maçonaria Paz e União. São essas redes de apoio locais, esses braços solidários, que muitas vezes impedem o colapso completo de instituições como esta.
A realidade do São João Batista é um microcosmo de um Brasil que envelhece a passos largos, mas que insiste em deixar seus idosos para trás. Dados do Ministério da Saúde e do IBGE pintam um quadro sombrio:
O Brasil possui mais de 3,8 mil Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), como são formalmente chamados os asilos. Muitas delas, especialmente no interior e nas periferias das grandes cidades, operam em estado de precariedade financeira crônica.
Estima-se que mais de 50% dessas instituições dependam quase que exclusivamente de doações e do trabalho voluntário para funcionar, vivendo um dia de cada vez, sem garantias para o futuro.
Cerca de 25% dos idosos brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. Muitos dos que estão em asilos são aqueles cujas famílias não podem ou não querem arcar com seus cuidados, tornando-os duplamente vulneráveis: pela idade e pelo abandono.
A reportagem ouviu, em off, um dos organizadores do evento. A fala foi curta e direta: “A gente faz o que pode. É uma gota no oceano, mas para eles é um oceano inteiro. É triste pensar que a dignidade deles dependa de nossa lembrança.”
O almoço em Pedro Gomes foi, portanto, mais do que um evento caridoso. Foi um ato de resistência. Resistência contra o esquecimento, contra a indiferença que condena gerações inteiras a um segundo plano após uma vida de trabalho.
A frase final do comunicado do asilo ecoa como um alerta solene e verdadeiro: “não podemos esquecer que os jovens de hoje serão os velhos de amanhã.” E a pergunta que fica, pairando sobre os novos colchões e os lençóis limpos, é: que Brasil queremos encontrar quando for a nossa vez? Um país que doa dignidade em eventos pontuais, ou um que a garante, como direito inviolável, do berço até a velhice? Em Pedro Gomes, pelo menos por algumas noites, a resposta será mais confortável.






